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domingo, 16 de outubro de 2022

APÊNDICE IX - Lagoas Aterradas

Os primeiros colonizadores a chegar na futura cidade encontraram uma aparência geográfica inteiramente distinta do que conhecemos hoje. O território a desbravar era de difícil deslocamento, cheio de lagoas cercadas por morros com densa vegetação, manguezais alagadiços e diversas praias. A seguir apresentamos uma imagem do que seria este território central da cidade com indicações:

 Imagem1. Simulação do litoral da cidade de Botafogo até São Cristóvão.

1) Lagoa de Santo Antônio;

2) Lagoa do Boqueirão;
 
3) Lagoa do Polé;

4) Lagoa do Desterro;
 
5) Manguezal de São Diogo;

6) Saco de São Cristóvão;
 
7) Saco do Alferes;

8) Saco da Gamboa;

9) Morro do Castelo;

10) Morro de São Bento;

11) Morro de Santo Antônio;

12) Morro do Senado;

13) Morro da Saúde;

14) Morro da Gamboa;

15) Morro da Conceição;

16) Morro do Livramento;
 
17) Morro da Providência;

18) Morro do Pinto (antigo Morro do Nheco);

19) Morro de São Diogo;

20) Outeiro da Glória;

21) Ponta do Calabouço; e 
 
22) Lagoa do Sentinela.
 
Lagoa de Santo Antônio - Situava-se onde hoje fica o Largo da Carioca (indicação nº 1 da Imagem 1). Por volta de 1723 seu aterramento teve início a fim de extinguir as pragas que proliferavam no manguezal que rodeava suas águas insalubres aos pés do morro de mesmo nome. Na época, o local ainda era ermo do centro urbano da cidade que se desenvolvia ao redor do Morro do Castelo, mas não possuia um sistema de água potável eficiente. Os frades franciscanos que se instalaram na subida do Morro de Santo Antonio, no começo do século XVII, ansiavam por transformar a lagoa de águas paradas num local mais saudável pois ali também afluía as águas canalizadas do Rio Carioca, oriundas de Santa Teresa, que atravessavam o Aqueduto da Lapa até alcançar uma pequena fonte ao lado do convento. O aterramento do manguezal levou 5 anos para ser concluído, todavia quando terminou já havia um novo chafariz com maior capacitada de captação. A circulação de pessoas aumentou em busca do chafariz de águas límpidas do Rio Carioca e, como consequência natural, a região se desenvolveu velozmente, tendo seu nome alterado para Largo da Carioca. Outros dois chafarizes substituíram os antigos: um de 1750 (até 1834) e o último de 1848 (até 1926).

Imagem 2. Simulação de 1650. A Lagoa e o Convento de Santo Antônio.

 
Imagem 3. Litografia de 1845. Parte do antigo chafariz (à esquerda) e o Convento de Santo Antônio.

Lagoa do Boqueirão d'Ajuda - Esta lagoa ficava no local onde atualmente existe o Passei Público, na Lapa (indicação nº 2 na Imagem 1). Era a única lagoa da cidade, no período colonial, que se ligava ao mar. Segundo relatos de cronistas da época, tratava-se de um pântano pestilento, mal cheiroso e repugnante devido ao constante lançamento de dejetos humanos. Com esta insalubridade prevalecendo a região era pouco habitada e não se desenvolvia. Em meados do século XVIII uma forte epidemia de gripe e febre atingiu grande parte da população da cidade e sua origem foi, em parte, atribuída a presença deste lodaçal imundo e propenso a propagação de diversos tipos de peste. Em 1799 a lagoa foi aterrada com as terras oriundas do desmonte do pequeno Morro das Mangueiras localizado na Rua Visconde de Maranguape, bem próxima. As obras de construção do lindo Passeio Público levaram 4 anos e foi concebida pelo ilustre Mestre Valentim da Fonseca e Silva (1745-1813).

Imagem 4. Tela datada de 1790. O Convento de Santa Teresa (canto superior esquerdo), o Aqueduto da Lapa, a Igreja N. Sra. do Carmo da Lapa do Desterro (extrema esquerda) e a Lagoa do Boqueirão cujo aspecto aqui em nada representou a realidade.

Imagem 5. Simulação da antiga orla diante da Lagoa do Boqueirão.

Lagoa do Desterro - Localizada entre o Morro de Santo Antônio e o Morro do Desterro (atual Morro de Santa Teresa), mais precisamente próxima a Rua dos Arcos onde situa-se hoje o Circo Voador e a casa de espetáculos Fundição Progresso (indicação nº 4 da Imagem 1). Foi aterrada em meados do século XVIII para a construção de moradias naquele lado da cidade (Rua Riachuelo, Rua Mem de Sá e Rua dos Arcos). Esta lagoa, devido a sua proximidade, interligava-se com a Lagoa do Boqueirão citada anteriormente.

Imagem 6. Cerca de 1758. A Lagoa do Desterro atrás dos Arcos.

Lagoa da Sentinela (ou de Capueiruçu) - Ficava na confluência das Ruas Mem de Sá (antiga Rua dos Arcos) e Frei Caneca (antiga Rua do Conde), numa das vertentes do Morro do Senado (antigo Morro Pedro Dias). A lagoa foi aterrada entre 1779 e 1800. Vide indicação nº 22 da Imagem 1.

Imagem 7. Encontramos apenas este mapa feito à bico de pena ao redor de 1770. Circundamos a região da lagoa para facilitar a leitura. Observar que a cidade era densamente ocupada entre os Morros do Castelo e de São Bento (abaixo da palavra "cidade"). O restante era "roça". 

Lagoa do Polé (ou da Pavuna) - Existiu na região da atual Praça da República (Campo de Santana). Outrora foi um terreno alagadiço utilizado como depósito de lixo e esgoto numa região distante do centro urbano da cidade. Durante a gestão (1790-1801) do Vice-rei Dom José Luís de Castro, o Conde de Resende, a lagoa foi aterrada, transformando-se num campo de grande dimensão que alterou de nome diversas vezes. Finalmente em 1889, com a Proclamação da República, tornou-se oficialmente uma praça com a atual nomenclatura. Infelizmente não encontramos imagens do primitivo local. Vide indicação nº 3 da Imagem 1.

Manguezal de São Diogo - A área da atual Cidade Nova, compreendida entre a Praça XI e o Trevo das Forças Armadas, pela Av. Presidente Vargas, até hoje é conhecida como Mangue porque o local era pantanoso e alagadiço. Isto ocorria devido a um braço do mar vindo do Saco de São Cristóvão que adentrava pela região da atual Av. Francisco Bicalho, passando ao lado do Morro de São Diogo, ponto geográfico que anos mais tarde foi utilizado para extração de granito e reduzido apenas a uma pedreira, ainda hoje existente ao lado da Estação do Metrô Cidade Nova, do outro lado da linha férrea da Central do Brasil. Após a chegada da Família Real Portuguesa, em 1808, esta região era caminho para se atingir o Palácio de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, residência oficial de seus membros. Decidiu-se, portanto, construir um canal ladeado por duas estradas no meio daquele enorme brejo, foco de mosquitos e odor desagradável a fim de facilitar o deslocamento da Praça XV, onde ficava o Paço Real, até o palácio. Assim, inicialmente, foi construída uma pequena passagem aterrada (futura Rua Senador Euzébio, já extinta) com uma pequena ponte para que as carruagens da Corte pudessem passar. Desta forma, o local passou a ser conhecido como "Aterrado". Um precário sistema de iluminação a óleo de baleia instalado naquele caminho ermo também ensejou outro nome: "Caminho das Lanternas". Em 1857 começou, finalmente, a abertura do Canal do Mangue com o propósito de receber as águas das chuvas e dos riachos que desaguavam por lá. Após 3 anos de obras a região foi drenada, saneada, aterrada e dispunha de um estreito canal que ia da antiga Ponte dos Marinheiros (ou do Aterrado) até a Praça XI com duas ruas laterais, a Av. do Mangue. Melhoramentos e urbanização, com a plantação das palmeiras imperiais, somente foram concluídos em 1876. Na gestão (1902-1906) do Prefeito Pereira Passos o canal foi estendido até o mar pela atual Av. Francisco Bicalho, mesma ocasião em que foi construído o novo porto da cidade e a Av. do Cais (depois Av. Rodrigues Alves), na atual zona portuária, totalmente aterrada até a Praça Mauá. Vide indicação nº 5 da Imagem 1.

Imagem 8. Simulação da região ao redor do Manguezal de São Diogo.

Imagem 9. 1860. Planta da região do Manguezal de São Diogo após a abertura do Canal do Mangue.
 
Imagem 10. A título de curiosidade apresentamos esta foto sem data mostrando a entrada do Saco de São Cristóvão com a Ilha dos Melões ao fundo. É o local onde hoje se encontra a Rodoviária Novo Rio. Vide seu posicionamento no mapa anterior.
 
Imagem 11. Fotografia muito antiga, embora sem data, mostra a entrada do Saco de São Cristóvão com destaque para as duas ilhas que ali se posicionavam: Ilha dos Melões e Ilha dos Cães (ou Ilha das Moças). Confrontar com imagens 1 e 9.
 
Lagoa Rodrigo de Freitas - Diversos aterros foram realizados em suas bordas no começo dos anos 20 e posteriormente nos anos 60 para criação e duplicação das pistas de rolamento das Avenidas Epitácio Pessoa e Borges de Medeiros, assim como ao redor das Ilhas dos Caiçaras e Piraquê. O seu espelho d'água foi tombado pelo patrimônio do município em 1990, todavia houve uma perda entorno de 40% do seu tamanho original.

Imagem 12. 1922. Aterramento em parte da Lagoa Rodrigo de Freitas para construção da Av. Epitácio Pessoa com o entulho proveniente do desmonte do Morro do Castelo.

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